top of page

Ouro de tolo



A história de sucesso da Gana Gold começa em junho de 2016, quando uma empresa chamada J.J.G.E Comércio Atacadista de Produtos da Extração Mineral registrou um pedido de pesquisa de minério de ouro em uma área de 4.183 hectares — área equivalente a quase quatro vezes o bairro Morumbi de São Paulo — perto de Água Branca, uma comunidade garimpeira de Itaituba formada no final da década de 1970. O local já tinha sido alvo de estudos de mineração entre 2006 e 2013 por outra mineradora, Brazauro Recursos Minerais, que concluiu em laudo pela inviabilidade financeira da sua exploração e abandonou a área definitivamente em 2015. O laudo da Brazauro afirma também que a empresa denunciou a presença de garimpeiros ilegais no local em 2012. Imagens de satélite indicam que em 2016 havia atividade garimpeira ilegal na mina. Neste período ela já estava sob a tutela da J.J.G.E., mas não é possível afirmar quem são os responsáveis pela extração. No começo de 2017, a J.J.G.E. conseguiu um alvará da ANM para fazer uma nova pesquisa. O resultado indicou que a mina seria economicamente viável para exploração. Após a pesquisa, o passo seguinte seria buscar permissão para retirar o minério – o que a ANM classifica como “requerimento de concessão de lavra”. No entanto, a mineradora preferiu um caminho mais fácil para começar a operar e solicitou uma guia de utilização, a GU, com lavra experimental, um tipo de autorização de extração simplificada, dado ainda durante a fase de pesquisa. Mesmo com uma burocracia menor, a GU exige que o solicitante apresente licença ambiental. Isso significa que, para poder explorar o minério, antes a empresa deve buscar os órgãos ambientais e apresentar uma análise do impacto ambiental e como isso vai ser compensado. Não foi exatamente o que aconteceu com a J.J.G.E. Em abril de 2018, a empresa preferiu passar a mina adiante para a M.M. Gold Mineração, do empresário Marcio Macedo Sobrinho, atual autor do requerimento de mineração.

Gana Gold fica dentro da APA Tapajós, próximo da terra indígena Munduruku e de outras UCs federais.




O processo de licenciamento deveria ser feito pelo governo do Pará, na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, a Semas. De acordo com a íntegra do processo minerário que tramita na agência, a empresa até iniciou o procedimento correto para obter o licenciamento e chegou a solicitar uma licença à secretaria estadual em dezembro de 2018, mas mudou de estratégia após, segundo a empresa, “tomar conhecimento” de que o pedido poderia ser feito no órgão ambiental municipal – ainda que, na realidade, a secretaria municipal não tenha competência para isso. Com base nessa interpretação que vai contra as legislações federal e estadual, a empresa conseguiu uma licença de operação na prefeitura de Itaituba em apenas nove dias, como mostra um documento encaminhado para a AMN em 16 de setembro de 2019. Segundo dois analistas ambientais consultados pela reportagem, esse tipo de procedimento envolve a análise de documentos de impacto ambiental e costuma demorar de 30 a 60 dias. A rapidez da licença de operação, ou LO, obtida na prefeitura de Itaituba fica ainda mais evidente após a entrada de um novo personagem na história da Gana Gold: Guilherme Aggens. Engenheiro florestal e sócio da Geoconsult, empresa de consultoria em mineração que fez alguns estudos técnicos para a Gana Gold, Aggens é figura carimbada em viagens com políticos a Brasília para fazer lobby para o setor. A mineradora deu a ele uma procuração no dia 24 de setembro de 2019 — oito dias após ter feito a solicitação da LO na prefeitura —, o tornando responsável por tocar os procedimentos administrativos sobre a mina nas secretarias de meio ambiente do Pará e de Itaituba e também na ANM. No dia seguinte, o secretário de Meio Ambiente e Mineração do município, Bruno Rolim da Silva, assinou a tão desejada licença.

Por lei, licenciamento da Gana Gold só poderia ser feito após a concordância do ICMBio.

Isso poderia ser apenas uma coincidência de datas se, uma semana antes, Aggens não tivesse postado em uma rede social fotos de uma viagem realizada com Rolim para fazer lobby para o setor de mineração em Brasília. Os registros incluem reuniões com políticos que apoiam o garimpo na Amazônia, especialmente em terras indígenas, como o deputado federal Joaquim Passarinho, do PSD do Pará, e o vereador por Itaituba Wescley Tomaz, do MDB. Na viagem, eles ainda encontraram um espaço na agenda do então ministro da Casa Civil, deputado Onyx Lorenzoni, aliado de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro que atualmente ocupa o cargo de ministro do Trabalho e Previdência. O deputado Joaquim Passarinho e o vereador Wescley Tomaz também são figuras fáceis em visitas a gabinetes de ministros na capital federal para fazer lobby, especialmente pelo afrouxamento de regras para garimpos na Amazônia. Em maio deste ano, Tomaz e Aggens se reuniram com o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que apoia abertamente o garimpo em terras indígenas e está sendo investigado pela Polícia Federal por envolvimento com extração ilegal de madeira. E, no final de agosto, Tomaz e Aggens estiveram juntos novamente em Brasília, dessa vez para participar de audiência da Comissão de Minas e Energia da Câmara, presidida pelo deputado Passarinho, para discutir a legalização de garimpos ilegais no Tapajós. A proximidade de Aggens e Rolim não parece ter começado com a mina da Gana Gold. Os dois também aparecem ao lado do recém-eleito Jair Bolsonaro em uma foto publicada em novembro de 2018 pelo advogado Fernando Brandão, residente de Itaituba. Um ano depois, o advogado participaria com garimpeiros de uma reunião secreta com os ministros Ricardo Salles e Onyx Lorenzoni para pressionar o governo a punir fiscais do Ibama que queimaram maquinários usados em crimes ambientais.

Questionei por e-mail a prefeitura de Itaituba, em 14 de julho, sobre os erros na licença dada à Gana Gold e sobre qual legislação ambiental permite que o município licencie o tipo de atividade da mineradora. Não tive retorno. Por WhatsApp, também perguntei diretamente ao secretário Bruno Rolim da Silva se a proximidade dele com o engenheiro Guilherme Aggens influenciou a concessão emitida em apenas nove dias. Fiquei mais uma vez sem resposta, mas não sem uma reação da empresa.

No mesmo dia 14, às 17h48, cerca de cinco horas depois de eu ter enviado as perguntas, a Gana Gold protocolou na ANM um pedido de cessão parcial, transferindo para a empresa 4.001 hectares do requerimento da M. M. Gold, que tem originalmente 4.183 hectares. É justamente nos 182 hectares que sobraram para a M. M. Gold, uma área um pouco maior do que o Parque do Ibirapuera, em São Paulo, onde estão instaladas a mina de ouro, a estrutura de beneficiamento e a pista de pouso. Aggens também não me explicou a razão dessa mudança, feita coincidentemente no mesmo dia que enviei as perguntas à empresa.

A autorização da mina está marcada também pela ausência de outro carimbo importante: o do ICMBio. Como a operação fica dentro de uma unidade de conservação federal — a Área de Proteção Ambiental Tapajós, vizinha da Terra Indígena Munduruku —, o licenciamento só poderia ser feito após a concordância do instituto (essa exigência pode deixar de existir caso o projeto de lei que altera o licenciamento ambiental, aprovado na Câmara em maio, passe pelo Senado e seja sancionado).

Entre julho e agosto, enviei três e-mails para a assessoria de imprensa do ICMBio, mas não obtive retorno. Só consegui uma resposta do órgão por Lei de Acesso à Informação, a LAI, no dia 1º de setembro:

“Em nenhum momento foi enviada ao ICMBio qualquer comunicação de órgão ambiental, seja estadual ou municipal, sobre licenciamento ambiental do processo minerário 850.397/2016 [registro da mina explorada pela Gana Gold], visto se tratar de pesquisa mineral com guia de utilização, quando é obrigatória licença ambiental e autorização do ICMBio”, informa o órgão.

A novela burocrática terminou em março de 2020, quando a ANM deu de ombros para a legislação ambiental brasileira e aceitou o documento irregular apresentado pela Gana Gold, concedendo à empresa a permissão para explorar 36,6 hectares, correspondentes à área onde ocorre a extração, dentro dos 4.183 hectares do requerimento inicial.

“Você não pode escolher o órgão licenciador do seu empreendimento, há uma legislação ambiental que determina isso. Independentemente de quem errou neste caso, há diversos elementos de ilegalidade nesse processo de licenciamento que precisam ser investigados, principalmente porque há a presença de comunidades indígenas isolados na região da APA Tapajós”, afirma Carolina Santana, advogada do Observatório dos Direitos Humanos de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.


Fonte:https://theintercept.com/

0 comentário
bottom of page