Por Miguel Antonio Cedraz Nery *
Como todas as atividades empresariais, o investimento na mineração é uma decisão que necessita forte atenção no que diz respeito à gestão de riscos. Existem peculiaridades na mineração, especialmente na fase de exploração mineral, em que há uma grande incerteza de sucesso associado à descoberta de jazidas.
A maioria dos trabalhos de exploração mineral é realizada por pequenas ou médias empresas não operacionais, que não possuem receitas suficientes para financiar as despesas nessa fase da atividade. Sabe-se que, em ordem de grandeza, apenas um em cada mil projetos de exploração mineral se torna uma mina, em decorrência, exatamente, dos riscos geológico, tecnológico e de mercado.
Para enfrentar esses desafios e incentivar a indústria da mineração, países como o Canadá, Austrália, Peru, Singapura, dentre outros, têm utilizado instrumentos que dinamizam o mercado de capitais. O exemplo mais emblemático é o mecanismo canadense chamado de flow through shares (FTS), ou seja, o benefício que “flui via ações” (tradução literal) de empresas de exploração mineral.
O FTS é um instrumento que permite às empresas de exploração mineral naquele país emitirem ações para financiar seus projetos ao realizar as ofertas públicas iniciais (IPO). Por meio desse mecanismo, o investidor compra ações de empresas mineradoras listadas, as quais usam esse capital para o custeio das despesas com a pesquisa mineral. Com isso, são gerados créditos tributários possíveis de serem transferidos aos acionistas para dedução do seu imposto de renda. Esta opção atrai investimentos, capitaliza as empresas de exploração mineral, movimenta a economia do setor naquele país e minimiza o risco destes investidores.
A emissão de ações via FTS foi introduzida na Lei do Imposto de Renda no Canadá há cerca de 60 anos. Embora originalmente criado para que o setor mineral enfrentasse os tempos difíceis das crises cíclicas, o programa tornou-se um sucesso junto ao pequeno investidor, posicionando o mercado de capitais do Canadá como um líder global em financiamento ao desenvolvimento de recursos minerais.
As FTS foram perenizadas naquele país a partir de outubro de 2000 com o programa do crédito de imposto federal (METC), por meio de incentivos para que os investidores canadenses aplicassem suas economias em um dos mais importantes setores industriais daquele país. Assim, o METC ajudou o Canadá a atingir sua posição como o principal país em investimentos anuais associados à exploração mineral mundial.
A sinergia entre o mercado de capitais e a atividade mineral foi um dos fatores determinantes para levar o Canadá a disputar a liderança do setor, resultando na nação com maior número de empresas de mineração do mundo. A expressiva quantidade de empresas envolvidas em exploração e desenvolvimento minerais propiciou à mineração canadense crescer e atrair os principais talentos na área de avaliação de recursos e reservas minerais, passando a possuir, atualmente, um ambiente de negócios extremamente seguro e dinâmico.
O sucesso observado com a utilização desse mecanismo se deve, principalmente, à combinação da classe de ativos típicos do investimento em renda variável com a gestão dos riscos inerentes à natureza da atividade mineral. Além disso, a capitalização dos projetos se dá de forma escalonada, ou seja, os aportes de recursos ocorrem na medida em que o ativo mineral se valoriza em função da redução dos riscos geológicos, econômicos e tecnológicos. No caso de as atividades de pesquisa não apontarem para a viabilidade da exploração mineral, os investimentos são cessados (stop loss).
Do ponto de vista dos ganhos para a sociedade, há uma compensação (trade-off) entre a renúncia tributária no curto prazo com estímulo ao crescimento da renda e aumento da receita fiscal nos médio e longo prazos. Há, também, o transbordamento (spillover) de benefícios das atividades exploratórias e minerárias para as comunidades dos municípios em que se localizam esses empreendimentos, em especial no tocante ao recolhimento de tributos, decorrente da atividade, além da geração de empregos nessas microrregiões.
Enquanto os canadenses tomaram para si o papel de ser um país minerador sem perder o compromisso com a sustentabilidade econômica e ambiental, no Brasil convive-se com um baixo volume de investimento em pesquisa mineral, considerando-se o potencial geológico brasileiro. Paradoxalmente, aqui “todo cidadão” enaltece as nossas riquezas minerais, mas disseminou-se no senso comum uma visão refratária com relação ao desenvolvimento da atividade minerária.
É necessário superarmos esse quadro e promovermos um ambiente de negócios robusto para a pesquisa mineral e a mineração no país, como já ocorre em outros países. As experiências bem sucedidas de mecanismos como o FTS no Canadá demonstram que é possível promover soluções no ambiente regulatório brasileiro, para fortalecer de forma similar a mineração nacional. Afinal, este nosso país possui um grande potencial geológico, com províncias minerais favoravelmente expressivas para atração de investimentos geradores de emprego e renda.
A busca por financiamento em mercados de capitais estrangeiros como a Bolsa de Toronto, por exemplo, por mineradores brasileiros para prover a descoberta de jazidas minerais no país, decorre da inexistência de mecanismos compatíveis com as atividades de risco nas fases pré-operacionais da mineração no Brasil.
A pesquisa mineral é a única atividade de risco não incentivada no país. Ressalta-se que a “Lei do Bem”, que estimula o investimento em pesquisa e tecnologia, não reconhece o custo incorrido em pesquisa mineral como dispêndios incentivados.
A legislação fiscal brasileira permite deduções tributárias, sim, mas a sua lógica adota como premissa geral que todos os projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico sairão da etapa pré-operacional e que, algum dia, serão operacionais, com receitas, despesas e lucro. Essa visão pode ser válida para as pesquisas tecnológicas, mas não para a pesquisa mineral pois, além de não se enquadrar na “Lei do Bem”, a probabilidade de um projeto se tornar empreendimento produtivo real é baixa. Não resta dúvidas que é necessário se ter no Brasil um mecanismo específico de estímulo à pesquisa mineral.
No esteio do lançamento do Plano Mineração e Desenvolvimento (PMD) pelo governo e considerando o sucesso da experiência da FTS canadense, esse instrumento poderia servir de modelo para trazer o maior número de empresas de mineração ao mercado de capitais no Brasil. A FTS é uma experiência que, sendo devidamente adaptada para a nossa realidade, poderia induzir o crescimento tanto da mineração como um todo, como, e sobretudo, das empresas de exploração mineral brasileiras, fortalecendo o ambiente de negócios quase inexistente em nosso país.
As possibilidades de financiamento à exploração mineral que historicamente têm sido usadas no Brasil se restringem ao uso de capital próprio, crédito bancário e, em raríssimos casos, emissão de ações associadas a grandes operações. Entende-se que poderia ser criado aqui no país um Sistema de Transferência de Créditos para Empresas Mineradoras (STCEM), como um mecanismo dirigido ao mercado de capitais, instituído por lei, para atração de investimento de forma similar às FTS.
O STCEM poderia funcionar similarmente aos regimes fiscais especiais, sendo esse voltado especificamente para a descoberta de novas jazidas. Sua natureza é inovadora, porque transferiria ao investidor os créditos fiscais gerados com a atividade de pesquisa mineral.
Pela lógica da proposta aqui esboçada, o STCEM permitiria que esses créditos tributários fossem gerados por Empresas de Exploração Mineral (EEM), a partir de despesas incorridas nos trabalhos de pesquisa mineral. Esses créditos poderiam ser transferidos aos acionistas e investidores para fins de deduções fiscais em seus impostos de renda. Esta solução significaria uma importante ferramenta a ser usada pelas empresas de exploração mineral, o que permitiria a emissão de novas ações aos investidores, tornando possível, assim, levantar o capital necessário à realização da exploração mineral ou o desenvolvimento da futura mina.
Um sistema que permitiria integrar investidores, empresas de exploração mineral e sua cadeia de valor com o poder público em vias de mão duplas em que o ambiente regulatório favoreceria a descoberta de jazidas, a atração de investimento, e permitiria a valorização de ações, além das deduções tributárias que seriam compensadas com as receitas advindas dessa valorização das ações.
Os trabalhos realizados na fase de exploração mineral geralmente implicam em um conjunto de despesas que, em tese, poderiam ser dedutíveis do imposto pago pela empresa que executa essas atividades. Rigorosamente, essas deduções seriam usadas apenas pelas próprias empresas de exploração mineral (EEM). No entanto, pelo princípio básico deste sistema de financiamento, seria admitido que uma EEM, por não ter receita tributável, jamais faria uso desses créditos gerados para fins de suas deduções ou isenções fiscais em um futuro previsível.
Investidores, que também são contribuintes, poderiam subscrever ações de transferência de crédito (ATC) e, como prêmio pelo risco envolvido na aquisição dessas ações, lhes seria facultado usar créditos tributários gerados pelas despesas das EEM em eventuais deduções no seu imposto de renda, sendo tratadas como se eles próprios tivessem incorrido naquelas despesas dedutíveis. Seriam deduções semelhantes àquelas facultadas pelas despesas médicas.
A EEM se beneficiaria recebendo a devida quantia pelo valor da ATC na sua emissão, enquanto os investidores de ATC ganhariam com a valorização das ações decorrentes do sucesso da pesquisa mineral e, ainda, com a transferência de créditos tributários gerados para fazer as deduções e assim reduziriam o valor de seu imposto devido.
Essas ATC, que só existiriam para EEM e previstas no STCA criado especificamente para uso na indústria de mineração, representariam uma das poucas maneiras em que ao contribuinte (EEM), seria permitido monetizar ou “vender” o benefício de suas deduções tributárias em favor de uma pessoa física, como se essa pessoa fosse sua extensão. Nesse contexto, apenas os investidores em ATC como assinante original se beneficiariam da dedução, não sendo extensivo o repasse do crédito a qualquer comprador subsequente das ações.
Os gastos considerados como "Despesa com Exploração Mineral" (DEM) corresponderiam àquelas incorridas nos trabalhos voltados a se determinar a Localização e existência da jazida, a posição, a extensão ou a qualidade de um recurso mineral, incluindo os trabalhos geológicos, geofísicos e geoquímicos, topografia, sondagem, abertura de trincheiras, escavação de poços para teste ou de amostragem durante a pesquisa mineral, bem como as despesas com a consolidação e elaboração do relatório final de avaliação da jazida.
A implantação de um Sistema como o aqui proposto, criando-se as ações de transferência de crédito no Brasil, representaria uma valiosa ferramenta de financiamento para empresas de mineração que executam exploração mineral no país. Também, consistiria em uma estratégia para atração de investimento voltados à descoberta de jazidas e uma verdadeira possibilidade de fortalecimento do ambiente de negócios do setor mineral no Brasil.
Com isso, o investidor brasileiro, inclusive o pequeno, seria atraído para o mercado de capitais, particularmente nesse momento de baixa taxas de juros, adquirindo ações de empresas de exploração mineral ou de mineração, em um novo conceito do negócio “mineração” pois, uma vez implantado no Brasil, poder-se-ia estimular o surgimento, no curto prazo, de dezenas de empresas do setor listadas em Bolsa. Ou seja, é fundamental que assumamos uma opção clara de sermos um país minerador. Mas, não apenas; que isso possa tornar o Brasil um grande player global na cadeia de fornecedores, a jusante e a montante, produzindo bens e serviços com alta agregação de valor.
(Agradecimento aos colegas Cassio Rabello (ABDI), Luís Azevedo (Presidente da ABPM) e Marcos Gonçalves (Presidente da ADIMB) pelos preciosos comentários e contribuições feitas ao texto.)
* Miguel Antonio Cedraz Nery é Engenheiro de Minas, Doutor e Mestre em Economia Mineral. Foi Diretor Geral do DNPM e Diretor de Desenvolvimento Produtivo e Tecnológico da ABDI. Atualmente, é Gerente Executivo da ABPM e Consultor.
Fonte: Artigo publicado em Brasilmineral.com.br
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