Por Miguel Antonio Cedraz Nery
Na pesquisa mineral, elevados riscos geológicos, tecnológicos e financeiros estão associados, sendo essa a fase em que se descobre o depósito e se estima a quantidade e a qualidade do minério existente in situ. A variabilidade dos atributos de interesse econômico associada à complexidade da geologia dos depósitos exigiu, com o passar dos tempos, o uso de técnicas cada vez mais sofisticadas de avaliação de jazidas. O final dessa fase exploratória, também chamada de delineamento da jazida, permite a conexão dos dados obtidos com o planejamento da lavra e a definição dos parâmetros operacionais para o funcionamento da futura mina.
O recurso mineral é, portanto, um inventário estimado da mineralização, sob condições técnicas e econômicas assumidas devidamente justificáveis, podendo tornar-se lavrável, desde que demonstrado a partir dos “fatores modificadores” e, assim, conforme o projeto de mineração evolua, convertido total ou parcialmente, em reserva mineral. A “possível extração econômica” resulta de uma avaliação, mesmo preliminar, levando-se em conta tais fatores modificadores (parâmetros técnicos e econômicos do projeto da mina) que podem influenciar as condições da efetiva lavra.
O conjunto desses aspectos levou a mineração a evoluir os conceitos de recursos e reservas a padrões mais realísticos, para que expressassem a melhor estimativa da jazida. Internacionalmente, foram adotados novos modelos para fins de declaração de resultados nos trabalhos de exploração mineral e avaliação de jazidas. Em busca de proporcionar condições de segurança necessária aos investidores e aos agentes financeiros, países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, África do Sul e União Europeia adotaram procedimentos técnicos e códigos de ética profissionais, tais como: JORC, NI 43-101, SAMREC, SME Guide e PERC, respectivamente. Os códigos usados naqueles países definiram que os recursos minerais seriam classificados como Medido, Indicado e Inferido, em ordem decrescente de conhecimento e confiança geológica, enquanto as reservas seriam provadas ou prováveis.
Outros países seguiram a mesma linha: criaram e implementaram padrões de classificação e de certificação dos recursos e reservas minerais no sentido de asseverar os seus inventários minerais e, assim, minimizar os riscos geológicos, tecnológicos e econômicos. Visando-se fazer um alinhamento dos vários códigos pela adoção de boas práticas como guias de conduta e códigos de ética profissional padronizados, foi constituída uma entidade representativa internacionalmente, denominada CRIRSCO (“Committee for Mineral Reserves International Reporting Standards”).
O CRIRSCO foi formado em 1994 e durante algum tempo foi uma aliança informal de Organizações Nacionais de Reportagem (NROs) nos países participantes. Com o crescimento vertiginoso da atividade internacional de mineração vivido a partir dos anos 2000, o CRIRSCO evoluiu para se tornar um Comitê mais rigorosamente constituído, regido por seus Termos de Referência e Estatutos Organizacionais.
Atualmente, todos os grandes países mineradores seguem padrão similar e estão alinhados ao CRIRSCO. Ainda de acordo com estes códigos, a avaliação deve ser feita por um Profissional Qualificado ou Profissional Competente, que assina o relatório e declara a qualidade dos dados e de sua interpretação, o qual pode estar apoiado por outros profissionais especializados em assuntos específicos, sendo aquele o principal responsável.
No Brasil, em novembro do ano de 2015, as três principais entidades representativas do setor mineral brasileiro: ABPM – Associação das Empresas de Pesquisa Mineral, ADIMB – Associação para o Desenvolvimento e Inovação do Setor Mineral Brasileiro e IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração, se uniram na busca da autoregulação profissional e na perspectiva de se trazer para o País um alinhamento do que tem sido feito no mundo, e criaram a CBRR – Comissão Brasileira de Recursos e Reservas. Esse foi, sem dúvida, um grande avanço para o Brasil se manter na mesma perspectiva da mineração mundial e viabilizar outras iniciativas de modernização da atividade, principalmente para colocar o País em condições de igualdade competitiva com nossos principais concorrentes e no mesmo patamar dos grandes players do setor.
O padrão CRIRSCO (Committee for Mineral Reserves International Reporting Standards) é aceito pelas principais bolsas de valores de valores e praças financeiras do mundo, sendo também aceito pelo mercado no Brasil, por meio do padrão CBRR. A CBRR representa um passo fundamental e necessário para se constituir no País um contexto regulatório seguro e um ambiente de negócios atrativo que contribua para alavancar o crescimento do setor. Tais padrões, por serem adotados internacionalmente, permitem que jazidas possam ser comparadas como alternativas de investimento segundo critérios semelhantes.
A CBRR, como uma entidade de autoregulação setorial, promove a acreditação de profissionais experientes e qualificados para atuarem em suas áreas de competência, os quais devem seguir o Guia de Recursos e Reservas e o Código de Ética da entidade. Esses normativos da CBRR são a fonte de informação e orientação para declaração pública de resultados de exploração, de recursos e de reservas minerais.
O profissional qualificado e registrado (PQR), para exercer tal atribuição, precisa estar legalmente habilitado perante o respectivo Conselho Federal e também possuir, no mínimo, dez anos de experiência profissional, cinco anos de experiência relevante no estilo de mineralização, tipo de depósito considerado e na atividade, incluindo pelo menos três anos em posição de responsabilidade.
O trabalho do profissional qualificado e registrado é realizado à luz de três princípios básicos: materialidade, transparência e competência. A observância destes princípios implica que há fundamento para se concluir pela existência de recurso ou de reserva mineral no contexto do prospecto em análise. A importância da certificação de recursos e reservas é evidenciada na atividade profissional desses PQRs, que devem realizar avaliações e declarações relacionadas a ativos minerais sempre isentas e sem qualquer tipo de enviesamento de informações.
A CBRR acredita os PQRs por áreas de competência, que são: Exploração mineral, Estimativa de recursos minerais, Estimativa de reservas minerais, Operações de mineração, Processamento Mineral e Geotecnia. Recentemente, foram aprovadas três novas áreas de competência que estão aguardando a conclusão da normatização interna e a devida sinalização do CRIRSCO para a sua implementação, quais sejam: Meio Ambiente e Sustentabilidade, Valoração de Ativos Minerais e Regulação.
Apesar dos avanços trazidos pela autoregulação da CBRR, em termos oficiais, até há pouco tempo o modelo adotado pela legislação no Brasil seguia a norma instituída em 1968. O Órgão regulador ainda classificava o conteúdo mineral da jazida como reserva inferida, indicada e medida, a depender da confiabilidade gerada pelos dados de exploração, não considerando os fatores modificadores, mantendo-se a confusão conceitual entre o que seriam recursos e reservas. Essa classificação obsoleta ao longo do tempo precisou ser substituída por conceitos com contornos melhor definidos. A Lei nº 13.575/2017, que criou a Agencia Nacional de Mineração (ANM) previu, no inciso XXXV, artigo 2º, que a instituição reguladora normatize o Sistema Brasileiro de Certificação de Recursos e Reservas (SBCRR).
Mesmo com a previsão legal e com a evolução autoregulatória, os conceitos que tratam de reservas minerais vigentes na legislação mineral brasileira até a publicação do novo Regulamento do Código de Mineração (Decreto Nº 9.406/2018) permaneciam obsoletos. Essa “reserva” era, assim, declarada no Relatório Final de Pesquisa e eventualmente aprovada, sendo também adotada como a reserva oficial na elaboração do Plano de Aproveitamento Econômico (PAE) por ocasião da apresentação do requerimento de concessão de lavra.
O Decreto Nº 9.406/2018 redefiniu os conceitos de recursos e reservas minerais, alinhando-os com os padrões dos códigos em internacionalmente aceitos. A avaliação efetuada com base nesses padrões permite que o mercado, potenciais investidores e acionistas possam comparar seus ativos no Brasil ou no exterior ou que empresas juniors consigam se capitalizar em bolsas de valores para desenvolver os seus prospectos. Para que todos os benefícios trazidos com a nova classificação sejam obtidos, depende-se da imediata implementação oficial da nova conceituação, com resolução específica da ANM para criação do SBCRR.
O setor mineral aguarda com expectativa a publicação da resolução da ANM que permitirá o alinhamento das práticas internacionais com a classificação oficial. Esta iniciativa, sem dúvida, representa um salto de qualidade e uma ação modernizadora totalmente alinhada com as mudanças recentes pelas quais tem passado o setor mineral. Também, outra resolução da ANM é aguardada sobre critérios para apresentação de Relatórios Finais de Pesquisa que complementaria a norma em termos procedimentais.
A nova conceituação de recursos e reservas minerais alinhada às boas práticas internacionais vigentes permitirá que haja uma efetiva melhoria no ambiente de negócio da mineração brasileira. A implementação do novo padrão potencializará, no médio e longo prazo, a listagem de empresas nas bolsas, tornará o direito minerário mais robusto para fins de garantia financeira e permitirá, uma vez normatizado o SBCRR, que os números e estatísticas reportadas pelo setor mineral nacional estejam mais próximos da realidade, em benefício de toda a sociedade, que conhecerá o verdadeiro inventário mineral brasileiro.
Miguel Antonio Cedraz Nery é Engenheiro de Minas, Doutor e Mestre em Administração e Política de Recursos Minerais. Trabalhou na ANM e foi Diretor Geral do DNPM. É Diretor da CBRR, Gerente Executivo da ABPM e Consultor.
Fonte: Brasil Mineral
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