A resolução ANM 85/21 é razoável, mas pode não ser efetiva.
Editada com o propósito de estimular os benefícios socioambientais decorrentes do
aproveitamento de rejeitos e estéreis de mineração, a resolução ANM 85/21 é razoável,
mas pode não ser efetiva.
A geração e a disposição de resíduos são fatores críticos na mineração, setor que
corresponde a um dos principais produtores mundiais de descartes com sérias
consequências socioambientais e econômicas
Os resíduos gerados pela mineração implicam tanto um passivo ambiental - pois os
volumes movimentados precisam ser dispostos e monitorados adequadamente, de
modo a evitar acidentes ou contaminações -, quanto um custo ao empreendedor -
pois seu manejo adequado exige gastos muitas vezes elevados.
Os principais resíduos gerados nas etapas de lavra e beneficiamento correspondem ao
estéril e ao rejeito. O estéril consiste no "material in natura descartado diretamente na
operação de lavra, antes do beneficiamento". Já o rejeito corresponde ao "material
descartado durante e/ou após o processo de beneficiamento".
Com base nos dados declarados no Relatório Anual de Lavra (RAL) da Agência
Nacional de Mineração (ANM), no período de 2010 a 2019, estima-se que, no Brasil, um
total de 3,4 bilhões de toneladas de rejeitos e 8,2 bilhões de toneladas de estéril foram
geradas em empreendimentos produtores de ferro, ouro, cobre, fosfato, estanho,
alumínio, níquel, carvão, manganês, zinco, cromo e vanádio.
Como regra, estéreis e rejeitos são depositados em pilhas e barragens. Outra forma de
disposição menos comum é em cavas exauridas de minas a céu aberto, alternativa que
traz consigo menor risco ambiental, mas que, a depender do volume e da substância
extraída, costuma ser muito mais dispendiosa que a utilização de pilhas e barragens.
As pilhas, barragens ou cavas podem estar na mesma poligonal da mina em que foram
gerados os resíduos, ou se situarem em áreas de terceiros, ou mesmo em áreas
desoneradas.
A necessidade de dar destinação sustentável aos resíduos da mineração - em especial
aos rejeitos - ganhou mais relevância após os desastres de Mariana (2015) e
Brumadinho (2019), e o aproveitamento econômico desses materiais surge como
alternativa à deposição em estruturas como pilhas e barragens.
Contudo, e apesar da relevância do tema, na legislação brasileira, o decreto-lei 227/67
(Código de Minas), principal instrumento legal do setor mineral, não trata de forma
explícita o aproveitamento de resíduos da atividade.
Mas a alteração do Regulamento do Código de Mineração, por meio do decreto
9.406/18, buscou estimular a utilização de rejeitos e estéreis, inclusive mediante
simplificação de procedimentos, cabendo à ANM a edição de resolução específica
para esse propósito, a qual somente foi editada em 02 de dezembro de 2021.
Portanto, dada a sua importância, bem como a substancial alteração que promoveu no
tratamento normativo conferido ao aproveitamento dos resíduos da mineração, a
resolução ANM 85/21 merece algum escrutínio.
Inicialmente, é necessário atentar para o fato de que, já em seus artigos 2° e 3°, a
resolução em tela traz duas afirmações que norteiam toda a regulamentação a
respeito do aproveitamento dos resíduos da mineração.
A primeira diz com a proclamação de que "[o]s rejeitos e os estéreis fazem parte da
mina onde foram gerados", ainda que eles sejam dispostos fora da área titulada, e
mesmo que a lavra esteja suspensa. Assim, resta definido que tanto o estéril quanto o
rejeito compõem a jazida em lavra ou com lavra suspensa da qual foram extraídos
rejeito compõem a jazida em lavra - ou com lavra suspensa - da qual foram extraídos.
A segunda declaração - consequência direta da primeira, aliás - se refere à garantia de
que o "aproveitamento dos rejeitos e dos estéreis independe da obtenção de nova
outorga mineral", desde que esses resíduos vinculados à mina de onde foram
extraídos, e contanto que o aproveitamento seja exercido pelo titular do direito
minerário.
Verifica-se, pois, uma mudança profunda na regra válida até o momento,
consubstanciada pelo Parecer 00246/2017/PF-DNPM-SEDE/PGF/AGU, o qual
assentava que todo e qualquer aproveitamento econômico de resíduos de mineração
dependia de título minerário, e que, por ilação, inexistindo um título minerário que
acobertasse os estéreis ou os rejeitos, caberia ao interessado pleiteá-lo à ANM.
Consequentemente, até o vigor da resolução ANM 85/21, em 03 de janeiro de 2022, o
aproveitamento econômico de rejeito sem o necessário título minerário poderia ser
considerado lavra ilegal.
Todavia, é importante não deixar de observar que o exercício do direito de exploração
econômica dos estéreis e rejeitos é condicionado à previsão das estruturas para
disposição de rejeitos e estéreis no Plano de Aproveitamento Econômico (PAE), no
Plano de Lavra ou em peça técnica similar; e à informação de dados sobre rejeitos e
estéreis no RAL.
Dessarte, se o aproveitamento dos resíduos de mineração não acarretar mudanças no
processo produtivo ou na escala de produção previstos originalmente no PAE, no
Plano de Lavra ou em documento técnico que os valha, o titular do empreendimento
de mineração deve comunicar à ANM, por ocasião da apresentação do RAL, a inserção
desses produtos em seu processo produtivo.
Por outro lado, na hipótese de o aproveitamento desses materiais trazer consigo
alterações no modo ou na quantidade de minério explotado, o titular do
empreendimento de mineração deve requerer à ANM a modificação do PAE, do Plano
de Lavra ou do instrumento que lhes faça as vezes. Seguindo a mesma linha, caso o
aproveitamento dos resíduos objetivar substância não autorizada no título minerário,
seu titular deverá solicitar à ANM o aditamento da nova substância.
Como dito, é possível que os rejeitos e estéreis estejam dispostos em área livre ou em
área onerada por terceiro. Nesse caso, o seu aproveitamento seguirá os preceitos
previstos no Código de Mineração, e só poderá ser iniciado após a outorga de um título
autorizativo de lavra - exceto se tais rejeitos e estéreis estiverem vinculados a título
vigente.
Outra situação que merece destaque é aquela em que o aproveitamento de rejeitos e
estéreis se der exclusivamente para doação a entes públicos; cenário que dispensa o
aditamento ao título de eventuais novas substâncias existentes nesse material.
Cumpre lembrar, ainda, que a lei 13.540/17 alterou a lei 7.990/89 para estabelecer que
os rejeitos e estéreis gerados em áreas objeto de direitos minerários que possibilitem
lavra, na hipótese de alienação ou consumo, serão considerados como bem mineral
para fins de recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais (CFEM). Além disso, para o aproveitamento de rejeitos e estéreis de minerais
associados a outras cadeias produtivas em relação à substância principal do
empreendimento, haverá redução de 50% da alíquota da CFEM. Porém, para fazer jus a
tal redução de alíquota, o interessado deverá informar, no ato do requerimento de
aditamento de nova substância mineral, a cadeia produtiva a que se destina(m) essa(s)
nova(s) substância(s).
A inobservância do disposto na resolução ANM n° 85/2021, incluindo a irregularidade
nas informações prestadas à ANM, sujeita os infratores às sanções previstas no Código
de Mineração, no seu regulamento e na legislação mineral correlata, inclusive para fins
penais, nomeadamente no que tange aos crimes contra o patrimônio da União, na
modalidade de usurpação (lei 8.176/91, artigo 2°), e contra o meio ambiente (lei
9.605/98, artigo 55).
De tudo quanto visto, é possível afirmar que a resolução ANM 85/21 trouxe a
razoabilidade para a regra de exploração de estéreis e rejeitos de mineração,
buscando facilitar a sua utilização e, dessa forma, reduzir as pilhas e barragens de
resíduos que se espalham pelo Brasil, causando impactos e, eventualmente, danos ao
meio ambiente e à sociedade.
Contudo, considerando a abundância de recursos minerais e a rentabilidade da
atividade mineradora no país, ainda é necessário que, além de viabilizar, a legislação
mineral passe a verdadeiramente incentivar - economicamente - a utilização dos
resíduos de mineração, sob pena de não ser alcançada a efetividade que a norma
espera e que o meio ambiente exige.
Texto de:
Marina Gadelha
Sócia das áreas de Direito Ambiental e Direito Minerário de Erick Macedo Advocacia. Doutora e mestre em Direito. Conselheira Federal da OAB.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/357313/residuos-de-mineracao-razoavel-nao-e-o-mesmo-que-suficiente
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