Após as tragédias de Mariana e Brumadinho, a destinação dos rejeitos da mineração passou a ser olhada com lupa pelo poder público e pela sociedade. Diante de tantas mortes e danos ambientais com os rompimentos das barragens de contenção, houve maior rigidez na legislação em relação a esse tipo de armazenamento, o que tem obrigado as companhias a investir bilhões em busca de alternativas mais seguras e sustentáveis para os estéreis resultantes da produção mineral.
A destinação dos rejeitos da mineração é abordada pelo #JuntosPorMinas, projeto do DIÁRIO DO COMÉRCIO que visa à discussão de grandes questões do interesse de Minas Gerais, ao debater desafios e gargalos que precisam ser transformados em oportunidades de crescimento, inclusão e transformação social no Estado.
A grande tendência já implantada ou em fase de implantação em algumas plantas das mineradoras envolvidas nas tragédias, Samarco e Vale, são os armazenamentos a umidade natural ou a seco, que descartam, aos poucos, o uso de barragens e dão destinação útil ao rejeito. O uso vai desde a construção civil, com a fabricação de tijolos, areia até a construção pesada, com o uso nas camadas anteriores à pavimentação asfáltica.
Novas operações estão focadas em segurança
A Agência Nacional de Mineração (ANM) determinou no início de 2019 que as barragens de rejeitos construídas ou alteadas pelo método a montante, como foi o caso das barragens rompidas, sejam descomissionadas e descaracterizadas até agosto de 2023. Outra resolução da ANM, a 85/2021, que começou a vigorar nessa segunda-feira (3) também traz um detalhamento sobre como os rejeitos minerários devem ser acondicionados.
Diante das normas e também como parte do plano de nunca mais ver tragédias como as de Mariana e de Brumadinho se repetirem, as mineradoras têm investido em mudanças no processo de beneficiamento do minério e no armazenamento a seco ou à umidade natural.
“A legislação está mais rígida. A tendência no setor, em pouco tempo, é não ter nenhuma barragem com método construtivo a montante. As que existem estão sendo, aos poucos, descaracterizadas e, posteriormente, desativadas. Há tecnologias disponíveis e já sendo utilizadas para um melhor acondicionamento do rejeito, a seco, importante caminho para uma mineração mais sustentável, dentro da agenda ESG”, explicou o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Flávio Ottoni Penido.
Para entender porque a mineração gera tanto rejeito, principalmente no caso do minério de ferro, é preciso voltar um pouco na história. Em Minas Gerais, como o minério de ferro de teor mais rico já foi lavrado ao longo de séculos, restam grandes reservas de minérios com teores mais baixos, produto que demanda beneficiamento convencional utilizando água, usado na maioria das plantas minerárias, gerando rejeito com bastante líquido.
“Com as novas tecnologias, os rejeitos gerados com os processos tradicionais são filtrados com maquinário avançado, reduzindo a umidade. Esse tratamento começa por processos que utilizam o mínimo de água, passando dos processos a úmido para rotas à umidade natural ou a seco. Nessas linhas, o rejeito é compactado e empilhado a seco ou pelo menos a umidade natural”, explicou o presidente da Associação dos Engenheiros de Minas do Estado de Minas Gerais (Assemg), João Augusto Hilário de Souza.
Segundo o engenheiro, que também coordena a Câmara Especializada de Geologia e Engenharia de Minas do Crea-MG, após essa compactação, os rejeitos são mais facilmente destinados a uma finalidade útil, como, por exemplo, tijolo e blocos para a construção civil e areia usada no processo de pavimentação asfáltica, entre outras destinações.
Samarco
A retomada da Samarco, em Mariana, foi baseada nesse novo sistema. Por meio de nota, a companhia informou que o sistema de filtragem utilizado permite desaguar o rejeito arenoso, que representa 80% do rejeito total gerado para empilhamento a seco. Os demais 20% restantes, a lama, são contidos na Cava Alegria Sul, um espaço rochoso, confinado e mais seguro.
A start-up EcoMud propôs uma solução de baixo custo e que utiliza rejeito da Samarco como matéria-prima para pavimentação. Em Mariana, 10,5 km foram pavimentados utilizando rejeito, nas comunidades de Goiabeiras, Cuiabá e Constantino, oferecendo durabilidade semelhante à tradicional, e mostrando-se uma solução que pode ser utilizada também na construção civil.
A redução no uso de água e aumento da segurança na mineração não está apenas na questão da armazenagem do rejeito. Ela já está presente nos processos de beneficiamento do minério, na chamada “tecnologia de concentração a seco”. A Vale tem apostado nesse modelo. Está em construção uma planta de concentração magnética de minérios de baixo teor de ferro, sem uso de água, desenvolvida pela própria Vale com a tecnologia New Steel, na mina Vargem Grande, em Itabirito, com início de operação previsto para 2023. Em Vargem Grande, já funciona, desde março, o processo de filtragem de rejeitos, permitindo que a maior parte do material seja empilhada em estado sólido.
O novo método de concentração de minério que será implantado possibilita aproveitar materiais com baixa concentração de ferro, que não são viáveis no processo convencional e praticamente não utiliza água. Nessa tecnologia, os rejeitos são gerados a seco no fim do processo e depositados em pilhas, dispensando o uso de barragens. O novo processo ainda gera minérios com grandes teores de ferro, mais valorizados no mercado internacional.
A companhia informou, por meio de nota, que outras duas plantas – mina Fábrica, em Congonhas e Fazendão, em Mariana – estão em fase de projeto e aprovação para licenciamento ambiental para o uso desse processo. Ainda segundo a nota, atualmente, cerca de 70% da produção de minério de ferro da Vale ocorre por processamento a seco. Em 2015, esse percentual era de 40%. Além disso, a empresa informou plano de investimento de US$ 2,3 bilhões entre 2020 e 2025 para aumentar o uso de filtragem e empilhamento a seco de 16% da produção total.
Protocolo de intenções
De olho nas tendências sustentáveis da mineração do Estado, a New Steel, empresa detentora dessa tecnologia de concentração de minério a seco, assinou em novembro um protocolo de intenções com o Governo de Minas, com previsão de investimentos de R$ 4,4 bilhões no Estado. Os recursos serão aplicados na implantação da tecnologia que, em princípio, será aplicada nas três plantas da Vale já mencionadas.
Segundo o governo de Minas, serão gerados cerca de mil empregos diretos na construção das novas plantas industriais da Vale. As três unidades terão, somadas, cerca de 550 postos de trabalho permanentes quando estiverem em funcionamento.
“Essa tecnologia vai resultar não só na redução dos rejeitos e transformá-los em riqueza. Isso é uma política pública ideal, porque aproxima a sustentabilidade ambiental da sustentabilidade econômica”, afirmou durante a assinatura do protocolo o secretário de Desenvolvimento Econômico, Fernando Passalio.
O analista do Indi, Miller Gazola, que participou das articulações para o protocolo de intenções, destacou outra importante consequência da implementação da nova tecnologia. “O processo da New Steel prolonga o período de funcionamento das minas por até 20 anos. Isso evita com que o município sofra um impacto significativo na economia local, mantendo a arrecadação de impostos e os empregos ainda por um bom período. É um projeto que coloca Minas Gerais na liderança da inovação da mineração no mundo."
Ética na engenharia salva vidas
A postura ética e profissional dos engenheiros entra nas discussões a respeito do futuro da mineração como algo essencial. “A figura do engenheiro bonzinho, que cumpre ordens da empresa, assumindo riscos, não pode estar mais presente na mineração ou qualquer outro setor. É inadmissível. É preciso uma compreensão ampla das companhias e dos profissionais, que devem colocar a ética e o zelo pela segurança acima de tudo”, afirmou o presidente da Associação dos Engenheiros de Minas do Estado de Minas (Assemg) João Augusto Hilário de Souza.
O engenheiro, que também é coordenador da Câmara Especializada de Geologia e Engenharia de Minas, do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-MG), explicou que essa postura passou a ser bastante questionada pela sociedade principalmente após as falhas de engenharia e de fiscalização apontadas no rompimento das barragens que culminaram nas tragédias de Mariana e Brumadinho.
“Foi montada uma governança financista em algumas empresas da indústria mineral, com exclusão dos diretores com grande conhecimento de todas as técnicas e fases da mineração. Este fenômeno contribuiu para a destruição da massa crítica e técnica em algumas companhias. Essa governança também passou a emitir diretrizes que privilegiavam o retorno financeiro – e isso é saudável no mundo moderno – mas exagerando ao contrariar alguns princípios básicos da engenharia, principalmente os de segurança”, relatou Souza.
Segundo, ele os engenheiros que se posicionaram contra tais decisões, que produziam maior retorno imediato, mas sujeitos a maior risco a longo prazo, foram sendo excluídos das empresas. “Eles foram sendo substituídos por profissionais com menor conhecimento e propensos a executar tais diretrizes. Ou seja, os engenheiros e consultores bonzinhos, de boa vontade em cumprir as ordens superiores recebidas. São os profissionais que tomaram como base aplicar o princípio que o cliente tem sempre razão. Mas aí a conta chegou, e tal fenômeno se incluiu na raiz dos principais desastres ocorridos”
O presidente da Assemg acrescentou que, por ter mais de 300 anos de exploração mineral, Minas Gerais tem tecnologia, engenharia, normas e leis claras suficientes para construir barragens seguras. Além de uma cobrança de todos os segmentos da sociedade, Souza destaca a importância da fiscalização. “A ANM (Agência Nacional de Mineração) tem realizado um trabalho essencial na fiscalização e o Crea tem feito sua parte”.
Fonte: Diário do comercio
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