
O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Força-Tarefa Brumadinho, ajuizou uma ação civil pública pedindo uma intervenção judicial na Vale para verificar a elaboração e implementação de planos e políticas de segurança de barragens.
O MPF quer ainda que seja nomeado um interventor judicial para identificar, em até 15 dias, os diretores e demais gestores da alta administração que "deverão ser afastados de seus cargos, a fim de possibilitar que o interventor assuma todos os trabalhos atinentes à sua atividade".
O MPF pediu ainda que seja vetado o pagamento de dividendos ou juros sobre o capital próprio, "até que o interventor ateste a plena colaboração da empresa com as medidas de intervenção, bem como, a qualquer tempo, quando forem relatadas, pelo interventor nomeado, dificuldades, óbices ou atraso no cumprimento das medidas de reestruturação".
Sobre o interventor, o MPF pede "elabore um plano de trabalho de reestruturação da governança da mineradora, que deve incluir metas de curto, médio e longo prazos. Também deverá ser explicitada a metodologia de trabalho, que deverá seguir padrões internacionalmente reconhecidos em termos de medidas preventivas de desastres, de transparência, responsabilidade".
Segundo a Procuradoria da República, também é necessário "incluir uma perspectiva de desenvolvimento das atividades empresariais da companhia que seja respeitoso aos direitos humanos, inclusive no tocante ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O plano deverá ser submetido ao juízo e aprovado, após manifestação das partes, no prazo que for judicialmente determinado".
O MPF relata que também foi pedido para que a Vale contrate uma empresa de auditoria independente, "preferencialmente entre quatro maiores do mundo", que ficará responsável por auditar a nova governança implementada. Esses relatórios deverão ser submetidos ao Ministério Público Federal (MPF), à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à Agência Nacional de Mineração (ANM), "recomendando e indicando as melhorias e incrementos vinculantes".
Também são rés na ação a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O MPF pede que elas sejam obrigadas a supervisionar e fazer as recomendações necessárias à implementação do plano de governança proposto e desenvolvido pelo interventor, "apresentando semestralmente ao juízo relatório com os resultados das suas avaliações". O Ministério Público, no entanto, pede que a ANM e CVM migrem para a condição de autoras.
A ação acusa a Vale de, ao contrário do que afirma publicamente e dos dados que divulga, desenvolver ao longo do tempo uma "cultura interna de menosprezo aos riscos ambientais e humanos, na qual se apropria dos lucros de suas operações, mas repassa para a sociedade os riscos e efeitos deletérios de sua gestão, acarretando uma verdadeira situação de irresponsabilidade organizada".
O documento ressalta que os rompimentos das barragens de Fundão, em Mariana, e da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, evidenciam a conduta, mas não as únicas atitudes neste sentido. Para o MPF, esses desastres não são exceções, mas "uma forma reiterada de comportar-se, uma política sistemática de gestão de riscos que privilegia a produção e o lucro em detrimento da segurança, pondo em risco a própria vida humana".
"Como é público e notório, outras barragens estavam prestes a romper e, se não fosse uma atuação das instituições, não haveria o acionamento em massa dos planos de ação de emergência das barragens que pertencem à mineradora, apesar de a Vale negar que havia qualquer problema com elas. O resultado foi a remoção de diversas comunidades que residiam a jusante dessas estruturas", diz o Ministério Público.
O órgão lembra que foram firmados vários termos de ajustamento de conduta com a Vale para as minas de Capitão do Mato, Cauê, Conceição, Gongo Soco, Mina do Meio e outras, bem como para as estruturas remanescentes das minas Capanema, Fazendão, Córrego do Meio e Águas Claras. "Contratou-se de forma emergencial uma consultoria independente para reavaliar as informações quanto à segurança dessas barragens, em nada confiáveis. As consultorias detectaram falhas graves, que foram objeto de recomendações ou ordens judiciais à Vale para que as corrigissem".
Governança
O MPF disse que a mineradora alega seguir um sistema de governança, que é conhecido como modelo de "Três Linhas de Defesa", desenvolvido pelo Institute of Internal Auditors (IIA). Esse modelo teria sido implementado após o rompimento da barragem de Fundão, em 2015. "Porém, a sua não implementação é evidente, como demonstram tragicamente o desastre do colapso de estruturas da Vale em sua mina no Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), e inúmeros outros episódios constatados posteriormente em outras instalações da companhia".
Após o rompimento da barragem em Brumadinho, o órgão lembra que a investigação das autoridades revelou que essas supostas linhas de defesa "tinham diversas falhas e não possuíam a independência necessária para agir e prevenir desastres".
A Força-Tarefa do MPF ainda ressalta que a intervenção é a única medida possível para, além da estruturação de uma nova governança, romper "a cultura organizacional hierárquica arraigada na resistência à exposição de problemas, assim como aos aprimoramentos exigidos".
"Tudo quanto demonstrado nesta ação conduz à inevitável conclusão de que o sistema de governança adotado hoje pela Vale tem gerado extensos e profundos danos à sociedade, além de caracterizar uma atuação desrespeitosa aos direitos humanos, entre os quais o direito ao meio ambiente".
Vale
Por meio de nota, a Vale afirmou que soube da ação por meio da imprensa e que ainda não foi citada, mas apresentará sua manifestação nos autos dentro do prazo legal. A empresa declarou ainda que suas práticas de gestão das estruturas minerárias "refletem as melhores referências globais do setor".
"Em linha com o contínuo aprimoramento dessas práticas, conforme o seu desenvolvimento no mercado, a Vale implementou mudanças ao longo dos últimos 18 meses para fortalecer ainda mais a segurança de seus processos operacionais e de gestão de suas estruturas geotécnicas", disse a mineradora.
Dentre as medidas, a companhia listou: a criação de três comitês independentes relacionados à questão das barragens, sendo que um deles, de Apuração e Segurança de Barragens, será mantido até 2021; a antecipação do plano de descaracterização de estruturas a montante; a criação da função de Engenheiro de Registro (EoR), responsável pela inspeção regular de segurança das estruturas e relatórios técnicos mensais; a construção de novas estruturas de contenção a jusante de barragens a montante; e nova análise técnica do histórico e das condições atuais de todas as suas barragens.
A companhia afirmou ainda que também fez "aumento significativo" de investimentos em gestão de barragens e implementação de novo sistema de gestão de rejeitos, aprovou nova política de gestão de riscos com a criação de cinco comitês executivos focados no tema, reforçou linhas de defesa e instalou o Comitê de Auditoria e da Diretoria de Compliance para reforçar a governança de riscos e controle.
"A Vale permanece firme em seus propósitos de reparar integralmente os danos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho e garantir a segurança de nossas pessoas e ativos. A Companhia continuará a colaborar com o Ministério Público e com todas as investigações em curso", declarou a mineradora.
Fonte: Notícias de Mineração do Brasil