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Minério da discórdia

Uma das principais notícias do universo mineral, na semana passada, foi o anúncio da Sundance Resources de que vai buscar US$ 8,8 bilhões em um processo internacional de arbitragem contra o governo do Congo. O motivo: teve os direitos minerários do projeto de minério de ferro Nabeba cassados no fim do ano passado. Para quem não conhece o empreendimento posso dizer que se trata de construir um Projeto Grande Carajás no país africano.


Quando a mina de Carajás, da Vale, iniciou a operação em 1985 tinha exatamente a mesma capacidade de produção prevista para o projeto Nabeba: 35 milhões de toneladas por ano. E, assim como Carajás, o projeto da mineradora australiana também precisa construir uma ferrovia e um porto de águas profundas para dar conta de embarcar esse volume de minério.

As semelhanças acabam por aqui. O minério que há nos depósitos de Nabeba é o nosso conhecido itabirito, nada menos do que 4 bilhões de toneladas. Mas, antes de lavrar essa montanha de minério, há uma camada, ou melhor, um filé de 436,3 Mt de hematita com 62,6% Fe, 4,4% de sílica; 2,6% de alumina e 0,09% de fósforo. Esse produto seria exportado do jeito que foi extraído, sem beneficiamento, um tipo de operação conhecido como Direct Shipping Ore (DSO).

Um dos problemas desse projeto é que ele envolve outro país, além do Congo, onde ficam as jazidas: Camarões, por onde passaria a linha tronco de 510 quilômetros. No Congo ficariam três ramais que somam 70 quilômetros. Camarões também receberia o porto.

O projeto teve muitos baixos e altos. Em 2014, a construtora portuguesa Mota-Engil chegou a ser anunciada como a futura construtora do porto e dos 580 quilômetros de ferrovia, um empreendimento de US$ 3,5 bilhões na época.

No ano anterior, o magnata chinês Liu Han, que chegou a acumular uma fortuna de US$ 6,4 bilhões com o Sichuan Hanlong Group, disse que compraria a Sundance (e o projeto Nabeba) por US$ 1,1 bilhão. Mas sumiu antes de fechar o negócio e reapareceu preso na China, onde foi condenado e executado em fevereiro de 2015.


No comunicado de 25 de março, a Sundance lista diversos motivos para buscar um tribunal internacional de arbitragem, entre eles o fato de ter um acordo com o governo congolês de manter conversas até o fim de março, contudo, no dia 13, o governo anunciou que os direitos de Nabeba tinham sido cedidos para a empresa de capital chinês Sangha Mining, uma empresa criada em 2018 e que, segundo a publicação Jeune Afrique Business tem o eterno ministro de Minas e Geologia, Pierra Oba, como sócio. Oba (ministro desde 2005), segundo uma reportagem do Financial Review, teria recebido propina da Sundance em 2016. Pelo jeito o prazo do agrado expirou.

O projeto da Sangha é bem diferente: gastar US$ 18,5 bilhões para construir uma linha ferroviária de 1.800 quilômetros até o porto de Pointe Noire, no Congo, e exportar 100 milhões de toneladas por ano, começando em 2023. Sabemos que esse prazo é quase tão surreal quanto o início da operação do Terminal Portuário de Alcântara (TPA) em 2025. Todavia, milagres acontecem.

No caso da Sangha, ninguém viu projeto algum, nem se sabe do onde virá o dinheiro. Segundo a agência Reuters, esse seria o primeiro empreendimento em mineração do investidor chinês que apoia essa iniciativa.

Outra mineradora que se sentiu lesada pelo governo congolês foi a Avima Iron Ore que perdeu, em novembro passado, suas licenças de minério de ferro (localizadas próximas às da Sundance) que também foram doadas à Sangha.

A empresa de capital inglês chega a dizer, com uma ponta de ironia, em nota emitida em 19 de março: "... a AIOL tem reservas quanto à natureza realista da nova rota de transporte proposta, que passa por uma nova linha férrea de 1.800 km para Pointe-Noire, que ainda precisa ser construída até 2023". A Avima tinha autorização para transportar, por caminhão, o minério de alto teor em uma rota de 540 km até o porto de Kribi, em Camarões.

Depois de uma longa agonia e acúmulo de dívidas, a Sundance foi forçada a deixar a bolsa de valores australiana (ASX) em dezembro (mês em que perdeu os direitos no Congo) e, por falta de opções, resolveu cair atirando e buscar, em um tribunal internacional de arbitragem, US$ 8,8 bilhões. Já a Avima quer US$ 27 bilhões em reparações.

Alguns podem até dizer que o risco desses países pode explicar o que está acontecendo, mas no Index of Economic Freedom, publicado pela Heritage.org, tanto Congo quanto Camarões estão perto das últimas posições na categoria "mainly unfree", ou seja, algo como "em geral, não livre". Essa categoria fica acima daquela chamada de "reprimida".

Segundo essa organização, a liberdade econômica é o direito de cada ser humano de controlar seu próprio trabalho e propriedade. Em uma sociedade economicamente livre, os indivíduos são livres para trabalhar, produzir, consumir e investir da maneira que quiserem. E o tal índice se baseia no tamanho do governo, na eficiência da Justiça, na eficácia regulatória e na abertura do mercado. E o Brasil, onde fica nessa lista? Tem a mesma nota que Camarões.

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