A organização não governamental Mining Watch divulgou na semana passada um documento no mínimo preocupante sobre o mau comportamento de mineradoras durante a pandemia. Porém, o documento que afirma que as minas viraram grandes focos do novo coronavírus tem falhas. E não são poucas.
A tese do trabalho tem quatro partes. A primeira é que mineradoras ignoraram os riscos que envolvem a pandemia do novo coronavírus e continuaram em operação. O segundo ponto é que governos em diversos países apoiaram o funcionamento de mineradoras e reprimiram manifestações contrárias.
Em terceiro, mineradoras estariam se aproveitando do surto de covid-19 para se redimir da destruição causada se posicionando como salvadoras. Por fim, o quarto ponto, afirma que mineradoras e governos se unem para tornar permanentes as mudanças regulatórias favoráveis à mineração.
Vamos entender esses quatro pontos se ligam (ou não), tendo em mente que a "licença para operar" foi listada pela segunda vez seguida como principal risco para a mineração mundial. O documento "10 maiores riscos e oportunidades" da EY, para o setor de mineração, diz que não dá mais para lavrar somente com a autorização ou concessão legal, é preciso ter a aceitação de stakeholders externos e comunidades.
Acredito que as mineradoras não ignoram esses riscos, nem o da pandemia. Como empresas, entendem que não se trata de uma "gripezinha" e que não adianta usar a estratégia do avestruz, pois enfiar a cabeça na areia da praia não vai fazer o vírus desaparecer.
Como em vários outros setores, a meta é se manter o mais perto possível do azul para sobreviver a mais uma crise, a segunda em menos de cinco anos. Contudo, os exemplos apresentados no estudo para essas possíveis manobras não são lá muito convincentes.
No caso da Yamana, na Argentina, essa mineradora sabe bem dos riscos envolvidos quando comprou parte de um projeto de ouro na província de Chubut, onde a emissão de novas concessões de lavra está suspensa, e sem data para voltar. Foi apenas um negócio, não há evidência de que houve uma manobra para se aproveitar da pandemia para reprimir manifestações contra uma mina que, se vier a ser aberta, só vai aparecer em uma década.
Outro caso mencionado especula que o fato de o Ministério de Minas e Energia do Brasil ter declarado a mineração como atividade essencial ocorreu cinco dias antes de a Vale anunciar a doação de 5 milhões de kits de testes para a covid-19. Sinceramente, não vejo conexão. Na verdade, gostaria mesmo era de saber o destino desses kits de testes rápidos.
Minas Gerais, estado onde a Vale tem forte presença, disse no início de abril que esperava receber 50 mil do primeiro lote de 500 mil testes importados pela Vale. Contudo, 45 dias depois Minas tinha o patético nível de 78 pessoas testadas em cada 100 mil, ou seja, só 16 mil pessoas tinham sido testadas no estado. É bem possível que boa parte desses testes ainda estejam em um galpão alfandegário em São Paulo à espera do vencimento.
O trabalho segue citando o Canadá, onde há comunidades indígenas com casos de contaminação "relacionados" a atividades próximas de mineração. Esse é o tipo de conexão difícil de estabelecer: onde se pegou o vírus. No Brasil, sabemos que muitos grupos indígenas estão sofrendo com caso de covid, mas isso é resultado da quarentena de araque vivida em várias cidades. Na Europa, o controle foi feito com lockdown, o bloqueio total.
Em outros lugares como o Congo (RDC), mineradores teriam dado opções limitadas a trabalhadores: ficar confinados no site ou com férias forçadas e remuneração reduzida. Bem, em alguns países a redução de salários foi autorizada, como opção para evitar demissões.
Sabemos bem que mineração é um trabalho especializado, não estamos falando de pedreiros ou trocadores de ônibus, profissões honradas, mas de baixa especialização. Poucas mineradoras estariam dispostas a abrir mão de trabalhadores treinados.
O problema geral do estudo da Mining Watch é que faltam detalhes e fatos que comprovem o que está escrito.
No caso da Vale, por exemplo, cita a doação de milhões de kits para o governo federal, mas algumas páginas adiante o documento afirma que os tais 5 milhões de kits eram para as operações da Vale, o que não verdade.
Ainda no caso do Brasil, o trabalho diz que a Anglo American usou doações no montante de R$ 15 milhões para justificar o funcionamento de sua planta em Conceição do Mato Dentro (MG), apesar de decreto municipal que previa a paralisação de toda atividade não essencial. Ainda no caso da Anglo, o estudo cita 300 autorizações de pesquisa que a mineradora tem para "ouro e outros minerais" em região amazônica.
De novo, não entendo a relação disso com a covid-19. Essas autorizações aconteceram no segundo semestre de 2018, a maior parte em nome da Anglo American Níquel do Brasil, e são quase todas para cobre. Há uma grande expectativa para que a região norte do Mato Grosso, onde estão 300 dessas centenas de autorizações, se torno um polo polimetálico com grandes reservas de cobre, algo que ainda não se confirmou.
O material deste link contém dados até o dia 1º de junho e fala do Peru, Chile, México (onde as minas ficaram fechadas por 45 dias), Estados Unidos, Colômbia e Equador, onde se insinua que executivos que estiveram no PDAC este ano, em Toronto, contaminaram pessoas próximas com o covid-19.
Mas, curiosamente, não tem informações sobre a Polônia. Um surto de coronavírus em minas de carvão da indiana JWS naquele país fez com que o número de casos registrados na semana passada fossem os maiores desde 12 de maio.
Fonte:Notícias de minerção Brasil
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