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CRÔNICA| “A carteira ou a vida!”


Pois bem. Quando se diz que cabe ao trabalhador escolher entre ter emprego sem direitos e ter direito mas não ter emprego, o que se está fazendo, na verdade, é negando qualquer possibilidade de escolha do trabalhador, ainda mais quando a fala, utilizada em tom de ameaça e chantagem, serve unicamente para que o governo faça a escolha no lugar do trabalhador.


O governante está escolhendo retirar direitos dos trabalhadores para facilitar a vida das empresas, o que, aliás, nem é uma preferência que se disfarça, pois o Presidente já disse mais de uma vez que se preocupa com os coitados dos empregadores no Brasil, ao mesmo tempo em que não se comove nem um pouco com o trabalho infantil, com a insegurança e a insalubridade do trabalho e com a miséria em geral.


Mas, claro, não se propõe uma revogação expressa de direitos. Como é afirmado, apenas se busca criar o permissivo jurídico para que empregadores e empregados “negociem” livremente as condições de trabalho, passando por cima dos limites legais. Mas o efeito concreto é o de possibilitar que empregadores profiram a seguinte fala: “Te ofereço um emprego, mas sem direitos. É pegar ou largar!”


Lembre-se de que os direitos trabalhistas estão consagrados na Constituição Federal tanto quanto está o direito de propriedade. Aliás, o exercício do direito de propriedade está limitado pelo respeito à sua função social e o Direito do Trabalho se estruturou com base no princípio da irrenunciabilidade. Aliás, diante dessa proposição a pergunta mais adequada é: que país é esse? Que país é esse em que se preconiza, como solução para a economia, o desrespeito à Constituição para negar aos cidadãos trabalhadores condições mínimas de trabalho e de cidadania, tais como: idade mínima para o trabalho; limitação da jornada de trabalho; salário-mínimo; descanso semanal; férias; descanso durante a jornada; proteção contra acidentes e doenças ocupacionais; garantias contra o desemprego etc?


A humanidade sofreu muito para superar esse falso dilema e assumiu compromissos expressos para que não fosse retomado. Colocar essa questão em debate, dentro dos marcos regulatórios do capitalismo, representa um retrocesso humano sem precedentes.


De fato, aqueles que dizem que a economia capitalista só pode funcionar assim, ou seja, sem garantir aos cidadãos condições dignas de vida, na verdade estão dizendo que o capitalismo é incompatível com a espécie humana, propondo, pois, que não discutamos mais os direitos e sim o modelo de sociedade.


Seja como for, é crucial que não mais se expresse neste sentido, porque, para além da agressão às milhões de vidas mundo afora que foram sacrificadas para que se chegasse à consagração dos direitos trabalhistas e da grande ofensa moral que se desfere contra quem já sofre com o desemprego, discriminações, assédios, ameaças, acidentes, trabalhos mal remunerados e direitos que, sob o mesmo falso argumento de aumentar o número de empregos e por meio de outras graves afrontas à Constituição, já foram bastante precarizados, a fala também representa um despeito explícito ao dever funcional de “manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis e promover o bem geral do povo brasileiro”, conforme expresso no termo de posse.


Jorge Luiz Souto Maior

Professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (desde 2002); coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC; membro da Rede Nacional de Grupos de Pesquisa em Direito do Trabalho e da Seguridade Social – RENAPEDTS; e Juiz do Trabalho (desde 1993), titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí/SP(desde 1998).

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