A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) vai apurar a denúncia de que a Vale teria criado uma empresa na Suíça para obter um faturamento comercial indevido, deixando de pagar US$ 3 bilhões em impostos desde 2006, e obtendo um lucro maior com venda de minério de ferro para a China. A Vale nega as acusações.

A prática, chamada de "triangulação", também teria sido usada por outras empresas, gerando um prejuízo para o Brasil de U$S 49 bilhões entre 2009 e 2015, segundo documentos encaminhados à comissão.
A denúncia foi revelada por meio do estudo "Extração de recursos no Brasil - Faturamento comercial indevido no setor de mineração", publicado em 2017 e que voltou à tona agora com a investigação contra a Vale na CPI no Pará.
De acordo com Maria Regina Paiva Duarte, pesquisadora e presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF), responsável por orientar e coordenar o estudo que foi financiado pelo Red Latinoamericana sobre Dívida, Desenvolvimento e Direitos (Latindadd), a legislação em vigor até 2012 previa, para apuração do lucro tributável, que as empresas pudessem utilizar como preço parâmetro de exportações "o custo de produção acrescido de uma margem de lucro de 15%".
"Se o preço parâmetro fosse maior que o preço praticado, a diferença deveria ser acrescida ao lucro tributável. Essa diferença é denominada de ajuste na declaração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica", explica Maria Regina.
Para driblar essa lei e não pagar impostos no Brasil, conforme a pesquisadora, as empresas adotavam o mecanismo de triangulação consigo mesmas, por meio da criação de subsidiárias em paraísos fiscais, denominadas de "refaturadoras", que passavam a adquirir o minério de ferro exportado pela matriz brasileira a preço baixo, refaturando-o pelo preço de mercado para o verdadeiro comprador.
"Desse modo, o lucro é transferido para a subsidiária da empresa brasileira localizada em paraíso fiscal, onde a tributação é muito reduzida ou nula. A pesquisa realizada pelo IJF confirma essa prática, quando demonstra que a Suíça adquire mais de 80% do total (de minério de ferro) exportado pelo Brasil. Porém, o destino do minério não é a Suíça e sim a China, que é o principal país importador do mineral brasileiro, chegando a representar 66,5% do total exportado", afirma a pesquisadora.
O vice-presidente do colegiado, deputado Carlos Bordalo (PT), disse que a CPI vai aprofundar a investigação sobre o sistema comercial da triangulação.
"Nós vamos ter que aprofundar o elemento que foi exposto, que é a triangulação entre Brasil, Suíça, Ilhas Cayman e a China, sobre essa brutal sonegação para o país, com perdas bilionárias para o Brasil, ao Pará e para os municípios. Por incrível que pareça, o maior país que exporta minério do Brasil não é a China, é a Suíça", declarou.
Suíça
Em 2006, a Vale criou a subsidiária Vale Internacional S.A. sediada na cidade suíça de Saint-Prex. O escritório gerencia departamentos de marketing e vendas de minério de ferro, níquel, cobre e carvão na Europa, Oriente Médio e América do Norte. O estudo afirma que as estatísticas das aquisições realizadas na Suíça e a elevada participação da empresa nas exportações de ferro sugerem que o escritório suíço pode ter sido responsável por parcela considerável das aquisições do minério exportado pelo Brasil.
Segundo dados da Receita Federal e da Lei de Acesso à Informação (LAI) usados no estudo, em 2016 a Suíça foi responsável pela aquisição de 83,1% do volume total de minério de ferro exportado, equivalente a US$ 7,734 bilhões, ou seja, 81,1% do valor total do minério exportado no ano.
Das mais de 247 milhões de toneladas adquiridas por companhias sediadas na Suíça, 61,9% tiveram como destino a China, outros 8,3% foram direcionados à Malásia, 6,4% ao Japão e 5,7% foram destinados aos Países Baixos. O levantamento mostra que a própria Suíça não constou, em 2016, entre os destinos das exportações de minério de ferro.
"A Vale deixou de pagar US$ 3 bilhões em impostos desde 2006 com esse sistema de triangulação. Dizer 100% sobre a forma como eles agem, não tem como saber, pois a Vale não entregou os documentos, mas eles vendem para as subsidiárias naquele esquema: vendem, por exemplo, por R$ 1 milhão para a Suíça, no preço declarado ali, mas a China pagou R$ 2 milhões. O que acontece em seguida: a China vai pagar R$ 2 milhões para a Suíça, que vai remeter apenas R$ 1 milhão para o Brasil. Esse outro R$ 1 milhão vai ficar na Suíça sem pagar imposto", destaca Maria Regina.
Ela ressalta que o levantamento não foi feito especificamente para analisar as operações da Vale, mas sim acerca das operações de exportações de minério de ferro. "Sabe-se que as operações da Vale são bastante representativas no volume total das exportações. No entanto, não foram analisadas suas operações de forma individualizada", afirma.
A pesquisa buscou realizar duas estimativas. A primeira foi por meio da comparação entre as médias mensais dos preços de exportação com as dos preços de comercialização do minério de ferro no mercado internacional, com dados do sistema Alice-Web, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil.
Já a segunda utilizou dados da United Nations Commodity Trade Statistics Database (UN Comtrade), base constituída a partir da consolidação de estatísticas oficiais de diferentes países. A pesquisa destaca que os dados referentes às exportações brasileiras disponíveis na UN Comtrade correspondem exatamente aos dados obtidos no sistema Alice-Web e utilizados na primeira estimativa.
"Por sua vez, no lado das importações, obteve-se dados de quantidade, valor e preço das importações de minério de ferro com origem no Brasil, conforme registrado nos países importadores. A divergência entre os preços de exportação registrados no Brasil e os preços de importação registrados nos países de destino indica a prática de faturamento comercial indevido", afirma Maria Regina.
Segundo a pesquisadora, a partir dos diferenciais de preços observados nas séries da UN Comtrade foi possível estimar a fuga de capitais via faturamento comercial indevido.
"O montante da fuga de capitais via faturamento comercial indevido no período 2009- 2015 totalizou US$ 49,064 bilhões, em valores de dezembro de 2015. Esse valor é equivalente a uma média mensal de US$ 584,1 milhões. Entre 2010 e 2015, o montante subfaturado, de acordo com a mesma estimativa, foi de US$ 45,124 bilhões. O valor do subfaturamento das exportações entre 2010 e 2015 correspondeu a 32,7% do valor total das exportações para o mesmo período", ressalta.
Ainda segundo Maria Regina, existe a intenção de atualizar o estudo. No entanto, ela disse que existe a dificuldade de obter os documentos das transações com as empresas exportadoras.
Inadequado
Em nota, a Vale afirma que o estudo "se mostra inadequado, tanto por desconsiderar as atuais regras de preços de transferência, quanto por não observar a existência de regras de tributação em bases universais".
A mineradora afirma que a LCA Consultores, com a colaboração de Bernard Appy, analisou o estudo do IJF - Latinidad e concluiu, em seu Sumário Executivo, que a legislação brasileira de preço de transferência não possibilita a manipulação de preços nas vendas para controladas no exterior.
"Os preços de transferência são estritamente regulados pela Instrução Normativa 1312/2012 da Receita Federal (com suas posteriores alterações), sem margem para transferência artificial de lucros para o exterior. Além disso, a controladora brasileira não teria nenhum ganho com qualquer eventual transferência de lucros para o exterior, pois caso o lucro auferido no exterior fosse menos tributado que no Brasil, a diferença entre a alíquota brasileira e a alíquota efetiva incidente no exterior é tributada no Brasil", salientou a mineradora.
"Ou seja, a empresa brasileira não teria qualquer vantagem econômica, uma vez que a legislação brasileira captura tais lucros via tributação das controladas no exterior", destaca a Vale.
Fonte: Notícias de Mineração do Brasil
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