Manter a agência desestruturada só beneficia a ilegalidade, a evasão de receitas, e promove a insegurança jurídica que afasta investimentos produtivos e sustentáveis, diz Luis Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Mineral e Mineração.
Reportagem da Folha de São Paulo mostra que o setor mineral responsável por 4% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Mas que protagonizou nos últimos anos tragédias como Mariana (2015) e Brumadinho (2019), além da explosão do garimpo ilegal, acentuada no governo Jair Bolsonaro (PL).
Segundo a reportagem, no período, o órgão regulador e fiscalizador do segmento, a ANM (Agência Nacional de Mineração) —criada em 2017 para substituir o Departamento Nacional de Produção Mineral— chegou ao menor quadro servidores da história, perdeu orçamento e vê um volume bilionário de impostos sonegados por falta de fiscalização.
Em nota técnica, a ANM aponta que, para cada R$ 1 arrecadado pela CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), há a sonegação de R$ 1. No ano passado, foram recolhidos pelo governo federal R$ 6,8 bilhões em royalties —sem sonegação, portanto, este valor poderia ser próximo a R$ 14 bilhões.
Compete à agência a regulação e fiscalização do setor, o que inclui monitorar o recolhimento dos tributos, e o cumprimento das regras de segurança, por exemplo. Especialistas relatam, no entanto, que o monitoramento, assim como os processos burocráticos da agência em geral, são falhos.
A ANM foi procurada para comentar, mas não respondeu.
“Manter a agência desestruturada só beneficia a ilegalidade, a evasão de receitas, e promove a insegurança jurídica que afasta investimentos produtivos e sustentáveis”, diz Luis Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Mineral e Mineração.
Segundo especialistas, os sistemas internos da ANM em muitos casos não são automatizados nem interligados a outros painéis do governo federal.
Funcionários preenchem planilhas manualmente, e milhares de processos minerários jamais foram digitalizados, ainda são de papel. Com isso, há atrasos comuns no repasse dos royalties aos estados e municípios.
No caso do CFEM, apenas cinco pessoas são responsáveis por monitorar o recolhimento dos recursos, de acordo com dados de entidades que representam servidores da categoria. Outros 150 funcionários são encarregados de toda a atividade de lavra e outorga dos processos minerários.
“A ANM continua com sistemas defasados, sem a devida integração e sem os requisitos mínimos de infraestrutura, o que ocasiona erros frequentes. Não há pessoas para analisar os processos e não há dinheiro para melhoria dos sistemas”, afirma Samanta Cruz, vice-presidente da Associação dos Servidores da ANM.
PERDA DE ARRECADAÇÃO CHEGA A R$ 153 BI EM 5 ANOS, CALCULA AMN
A entidade calcula que, entre impostos sonegados, processos prescritos e investimentos represados, a União deixou de arrecadar R$ 153 bilhões nos últimos cinco anos.
“Se nós tivéssemos o efetivo necessário, e mesmo o que era previsto na criação da agência, para o acompanhamento da mineração, crimes como os de Mariana e Brumadinho poderiam ter sido evitados; a identificação da instabilidade nessas barragens poderia ter ocorrido de forma antecipada”, avalia Francisco Kelvim, um dos coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens.
A resposta aos desastres, porém, não foi o fortalecimento da política pública minerária. Este é o cenário traçado à Folha por especialistas do setor: o descontrole da exploração do solo brasileiro.
Waldir Salvador, consultor da Amig (Associação de Municípios Mineradores de Minas Gerais) diz que, “no geral, a agência é o fracasso do fracasso”.
“Não se trata de incompetência dos funcionários. Hoje não há política mineral em exercício no Brasil. Há uma legislação, ultrapassada, mas há. Não política. A ausência do poder público na mineração é um escracho. E onde não há poder público, a iniciativa privada age de acordo com seus interesses”, diz.
“A ANM carece de orçamento, já que o que é previsto para ela não é repassado, e ela tem uma enorme carência em termos de pessoas e a sua estrutura de cargos. Isso, evidentemente, a fragiliza”, afirma Raul Jungmann, presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração).
O desastre de Mariana aconteceu em 2015. Então, a agência contava com 949 servidores ativos, número que era de 755 no rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019, e agora chegou em 663 —uma queda de 30%, o menor patamar da história
O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial) mostra que, inversamente, a área ocupada pelo garimpo ilegal no Norte do Brasil cresceu quase 800% de 2016 para 2022 —ano no qual o órgão tinha 70% de seus cargos vagos, segundo cálculo da Associação de Servidores da ANM.
O último concurso público geral para a agência ocorreu em 2010. A entidade aponta uma defasagem salarial de 43% com relação a outras agências reguladoras. Tudo isso motivou uma greve em 2023.
Entre as tragédias de Mariana e Brumadinho, barragens de responsabilidade da Vale, houve aumento no orçamento direto da ANM (ou seja, recursos que não dependem de emendas ou outros fatores): de R$ 507 milhões para R$ 541 milhões. De 2019 em diante, porém, a verba caiu, e hoje está em R$ 370 milhões.
Após a segunda catástrofe, uma decisão da Justiça obrigou a ANM a contratar alguns funcionários novos e reestruturar seu setor de barragens —o que causou pequena melhoria pontual nesta área.
“A agência tem uma estrutura de gente e equipamento para fiscalização de barragens menos mal que nos seus outros setores”, diz Waldir Salvador.
Já a lei foi alterada e passou a responsabilizar os presidentes das empresas por este tipo de tragédia.
“Quanto à possibilidade de ocorrerem novas tragédias, comparando com Brumadinho e Mariana, essa possibilidade é muito reduzida”, pondera Jungmann.
Com fiscalização precária, criou-se ambiente favorável para a lavagem do ouro do garimpo ilegal, atividade que causa desastrosos impactos socioambientais em comunidades indígenas.
“A ANM nunca teve estrutura dedicada para lidar com garimpos, e nenhum investimento foi feito pelo governo federal para estruturar a área, a exemplo da aquisição de equipamentos, concurso, treinamento específico para áreas ilegais junto com polícia, ou outra ação efetiva”, diz Samanta Cruz.
Levantamento feito pelo Mapbiomas aponta que, no Pará, o garimpo ilegal ocupa área três vezes maior que a mineração industrial.
A lei atual determina que os garimpeiros devem autodeclarar a origem dos seus minérios na hora de comercializá-los.
Na prática, o que acontece é que o ouro oriundo de áreas ilegais é registrado pelos criminosos como se viesse de uma lavra regularizada. A fiscalização da ANM é falha, e a manobra muitas vezes só é percebida por investigadores da Polícia Federal.
“Precisaria primeiro de uma contenção da atividade pela Polícia Federal, pelo Exército, para tentar jogar esse pessoal para dentro da legalidade, para a agência poder fazer o trabalho dela. Mas não tem nada, desde a explosão do garimpo, que a agência tenha feito para inibir de maneira significativa, que realmente surtisse e feito lá na ponta, essa atividade”, diz Waldir Salvador.
“Além da burocracia, a falta de recursos impacta diretamente a capacidade da agência atuar de forma efetiva na prevenção e combate a atividades ilegais, ou na incapacidade do poder público em resolver esses problemas. A ineficiência do Estado possibilita o crescimento da atividade ilegal”, afirma Luis Azevedo.
Fonte: Minera Brasil
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