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PEC DA PREVIDÊNCIA: reforma ou destruição?


No que tange à “reforma” trabalhista, que teria vindo, conforme se dizia, para diminuir o desemprego e acabar com a insegurança jurídica, sem redução de direitos, o que se viu, como efeito da “reforma”, no entanto, foi o aumento do desemprego, da precariedade, do sofrimento, da miséria e da concentração de renda, fruto da redução evidente de direitos, da destruição da ação sindical e da obstrução do acesso à justiça. Há quem diga que o Brasil está em grave crise e que, por isso, a reforma da Previdência se impõe e até recusam qualquer debate a respeito, apelando para a inevitabilidade catastrófica, afirmando que sem a reforma o Brasil irá à bancarrota em menos de dois anos. Mas, se verificados os termos da Exposição de Motivos da PEC essa versão não se confirma. O trágico é que essa aposta se faz com o sacrifício de direitos e o consequente sofrimento alheios, sendo por demais importante lembrar que quando se fala direitos previdenciários e assistenciais não se está falando propriamente de gastos. Fala-se da vida das pessoas.

Falando de uma realidade mais próxima, lembremos dos argumentos dos defensores da “reforma” trabalhista, que diziam que se produziriam pelo menos 2 milhões de empregos com as inovações e que, agora, quase dois anos depois, sem a concretização desses efeitos, dizem, sem o menor pudor, que o resultado não se produziu porque é preciso, ainda, implementar a reforma da Previdência. E, agora, muito espertamente, defendem que os efeitos benéficos da reforma da Previdência serão sentidos após 10 (dez) anos e muitos já se adiantam afirmando que a melhoria da economia, mesmo após a reforma da Previdência, só será sentida se outras reformas forem promovidas.

O trágico, mas também revelador, é que, agora, fazem a mesma chantagem – e várias outras, como a ameaça do não pagamento de salários aos servidores públicos e a do corte de 30% do orçamento das Universidades Federais – para a aprovação da reforma da Previdência, o que serve, unicamente, ao propósito de obstaculizar o debate. Não falam, no entanto, que, ao mesmo tempo em que nenhum efeito benéfico da “reforma” trabalhista foi direcionado para a classe trabalhadora, os lucros das 308 empresas de capital aberto que atuam no Brasil chegou, em 2018, ao montante de R$ 177, 5 bilhões, o que significou um aumento de R$52,3 bilhões com relação ao ano de 2017.

Enquanto isso, os trabalhadores foram conduzidos a uma luta desesperada para manter seus sindicatos, para preservar empregos e alguns direitos e impedir a redução de seus salários. Mesmo assim o que se verificou, concretamente, foi que sequer o valor médio do salário conseguiu atingir o índice da inflação no período. Com efeito, a inflação em 2018 foi da ordem de 4% e a “elevação” do salário, na média, foi da ordem de 2,9% e, em 2019, nem mesmo um aumentinho real no salário mínimo lhes foi conferido, como vinha ocorrendo em anos anteriores.

Qual a razão que se possa ter, portanto, para sair em defesa de uma reforma previdenciária que vai reduzir direitos sociais e aumentar o lucro de Bancos e de grandes empresas e que, em concreto, será apenas mais um passo em direção do abismo, na medida em que, não sendo apta a gerar os efeitos anunciados, de estabilizar as contas do governo, será, muito rapidamente de nova “reforma” na mesma linha? De um modo geral, o desmonte social já promoveu o aumento da miséria e, consequentemente, o aumento da desigualdade social, sendo que, precisamente, já se chegou, aqui, no último período, ao resultado de que a renda dos 1% mais ricos foi 36 vezes superior à média dos mais pobres, sendo que nem mesmo esse acúmulo fica no país, já que os ricos aumentaram, de forma recorde, o volume de suas remessas ao exterior.

Na PEC da “reforma” da Previdência, o que se tem é um projeto privatista, baseado em retrocesso da proteção social, o que representa, a destruição da ideia de Seguridade Social. Todas essas avaliações são suficientes para demonstrar que a “reforma” proposta pelo governo não interessa à sociedade brasileira como um todo. Mas, claro, há quem dela preveja algum benefício. A verificação de quem são os seus defensores, a começar pelo nome do Secretário especial da Previdência Social, responsável pelas negociações para aprovação da “reforma”, que é o mesmo que foi o relator da “reforma” trabalhista, diz muito sobre os objetivos vislumbrados.

A avaliação feita justifica a conclusão de que a PEC 06/19 não institui uma reforma da Previdência. O que faz é uma tentativa de destruição da Previdência Social pública e, por consequência, do projeto de Seguridade Social fixado na Constituição Federal. A PEC não corrige as distorções que aponta. Na verdade, aproveita-se do discurso das distorções para implementar uma lógica voltada à capitalização (à previdência privada). E eventual economia produzida para o governo sequer pode ser revertida à efetivação de direitos sociais, por conta da EC 95/16.

Jorge Luiz Souto Maior

Professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (desde 2002); Coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC; Membro da Rede Nacional de Grupos de Pesquisa em Direito do Trabalho e da Seguridade Social – RENAPEDTS; e Juiz do Trabalho (desde 1993), titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí/SP(desde1998).


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