A 350m do local destinado à cava da Tamisa, outra empresa explora mina recém-licenciada cercada de riquezas raras
Enquanto ambientalistas, entidades produtivas e o poder público se dividem entre o apoio à mineração na Serra do Curral e recursos na Justiça para barrar a atividade, impactos semelhantes aos que ambientalistas afirmam que a implantação do Complexo Minerário Serra do Taquaril (CMST) são capazes de gerar já podem estar ocorrendo bem ao lado. A poucos metros da Tamisa, a empresa que conseguiu o sinal verde do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) para minerar área de Nova Lima localizada na serra – um dos símbolos de Belo Horizonte –, uma outra mineradora já recebeu a liberação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad), em março de 2021, e neste ano movimenta caminhões carregados de minério e revolve as montanhas com escavadeiras. Ainda que em área muito menor, a Gute Sicht Mineração dá amostras de por que se temem tanto os impactos ao meio ambiente na cadeia montanhosa.
Apesar da proximidade com cavidades rochosas de máxima relevância, recursos hídricos, fauna e flora ameaçadas, a Gute Sicht (nome em alemão que significa Boa Vista) declara que tem estudos de impacto e segue rigorosos métodos de atuação, frisando que dispõe de todas as licenças legais necessárias para exercer a atividade.
A empresa precisou passar por um processo de regularização e celebrou, com a Superintendência Regional de Meio Ambiente Central e Metropolitana (Supram CM), em 11 de maio de 2021, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que lhe permite minerar nos contrafortes da Serra do Curral, na área da Serra do Taquaril, entre Belo Horizonte e Sabará. Sem alarde, minera em condições naturais tão delicadas quanto a Tamisa, ainda que em uma escala muito inferior, mas que põe em perspectiva a capacidade destrutiva sobre a Serra do Curral.
Raríssimo, o cacto Arthrocereus glaziovii foi avistado pela reportagem à beira da escavação, margeada também por flores silvestres
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
A área do empreendimento, chamada Mina Boa Vista, fica a 350 metros de uma das cavas que a Tamisa quer abrir, na face nova-limense da cadeia montanhosa, do outro lado da crista da serra. Contudo, se a Tamisa está a 250 metros de uma caverna de máxima relevância espeleológica para o conjunto da serra, a discreta mineradora de nome alemão está a apenas 50 metros.
O projeto da Tamisa em área de 1.250 hectares (cada medida dessas equivale a cerca da área de um campo de futebol) engloba 49 cavernas, sendo que além dessa de máxima relevância há outras nove de alta relevância, que demandam compensações em caso de impactos ou supressão. Uma está a 300 metros da Mina Boa Vista, que tem área de cinco hectares.
“As cavernas de máxima relevância nem podem ser sujeitadas a impactos diretos e indiretos. Se a Tamisa está a 250 metros, essa está a menos de 100 metros. Isso, para mim, é um crime. E o estranho é que se sabe que essa caverna tem máxima relevância desde 2017 e 2018 e essa mineração de pequeno porte está quase por destruir a gruta. Como conseguiram licença para isso? Isso tem ocorrido também no Gandarela, onde as grandes mineradoras saem ilesas quando criam empresas menores para causar impactos”, disse o professor de química, pesquisador em espeleologia e ambientalista Luciano Faria.
Na caverna de máxima relevância ele relata que se estuda um opilião (um aracnídeo, como as aranhas) que apresenta características troglomórficas (pode ter se adaptado ao ambiente de cavernas) e ainda não foi descrito. O animal é muito pequeno, tem apenas dois milímetros de comprimento. “Mesmo pequenas modificações no ambiente da caverna, como a poeira gerada pela mineração, já poderiam comprometer totalmente a vida desse animal na gruta", observa Faria.
Nas áreas onde a Tamisa pretende instalar cavas, que são as aberturas na terra para extrair minério, as pilhas de rejeitos, estradas, terminais de processamento e demais estruturas, a reportagem encontrou exemplares do cacto Arthrocereus glaziovii, que está ameaçado de extinção e é endêmico da canga do Quadrilátero Ferrífero, ou seja, só existe no substrato do solo alto dessas áreas ricas em minério de ferro de Minas Gerais.
Boa parte dos 42 hectares que a Tamisa pretende minerar na primeira fase de implantação do projeto na Serra do Curral e na segunda fase, de 53 hectares, perpassa rochas onde esses cactos despontam e área de cobertura pela mata atlântica, que só pode ser desmatada com licenças especiais.
CACTO RARO No fim das escavações feitas pela Gute Sicht Mineração, na face de Sabará da serra, as rochas que não foram desmanchadas pelas escavadeiras também exibem o pequeno exemplar de cacto raro, com não mais de 12 centímetros de altura e uma floração também rara de se testemunhar. Abaixo, nascentes de água fluem para o Rio das Velhas tendo suas áreas de recarga em espaços onde podem ocorrer impactos diretos ou indiretos com toda a atividade pesada das minas.
Por meio de nota, a Gute Sicht afirmou que tem autorização dos órgãos responsáveis para seu pleno funcionamento mediante documentação e estudos ambientais apresentados ao governo do estado.
“Além de passar por rigoroso plano de controle ambiental, foi feito um amplo estudo denominado EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental e seu consequente Relatório de Impacto Ambiental). Portanto, a empresa não está localizada em nenhuma área que impacte na flora, fauna e cursos d’água da região. Reafirmamos que nosso empreendimento está inteiramente de acordo com as leis e normas vigentes e nossa atividade está em conformidade com as exigências necessárias.”
A Semad também foi procurada para falar sobre o TAC e a situação atual da mineradora e disse que deverá se pronunciar hoje.
Artistas e escritores entram na luta pelo tombamento
Silvia Pires
Mais de 200 artistas e escritores brasileiros assinaram um manifesto contra o projeto de mineração na Serra do Curral, aprovado na madrugada de sábado. Entre os nomes estão artistas de peso, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento. O documento deve ser entregue amanhã ao governador do estado, Romeu Zema.
Na carta, os artistas pedem a suspensão da licença concedida pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e que seja dada prioridade ao processo de tombamento pelo Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).
Segundo a documentarista e diretora artística Luciana Sérvulo, coordenadora do movimento, a iniciativa busca atrair visibilidade para a causa. "Minha meta inicial era conseguir 50 nomes representativos nacionais. Já temos mais de 100. Estamos planejando uma série de ações para movimentar a sociedade. Queremos chamar bastante a atenção", complementa.
Com família em Belo Horizonte, ela revela ter ficado chocada com a autorização dada à mineradora Tamisa. "Essa decisão vai na direção contrária do processo de tombamento, existem muitas irregularidades. Isso precisa ser denunciado. Nós temos que fazer barulho", afirma.
Fonte; Estado de Minas
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